terça-feira, outubro 09, 2007

Vôo

De onde estou lanço um olhar, um só, na direção de um pedaço indefinido do céu, por ninguém preferido, de cor nada ímpar, sem texturas inspiradoras. Eu lanço o tal olhar, certeiro por não se saber ser de outro modo; zombeteiro até, entediado com a palidez do azul pouco anil.
Mas é nesse átimo desértico, carente de inspiração e segredos, que aparece, cruzando o olhar quase desistente, um pássaro ágil, de vôo cortante, tanto que corta a linha desse meu olhar com tesoura veloz. E segue, sem que eu sequer imagine para onde vai, e nem mesmo me ocorre que tenha estado a ave ligeira no colo de alguma dama, ou na atmosfera do lixo municipal, ou na veia urbana cara e ruidosa.
Eu só me levanto, renego o espaldar e o travesseiro, atravesso o quarto e a sala e todas as portas e paredes, e me ponho nu e inteiro na rua perigosa. Não me é lícito, doravante, dormir.

sexta-feira, outubro 05, 2007

Hoje

Descem borrões pela tela inundada de segredos, essa janela que mostra tudo e nada, essa paisagem de pouco se ver e menos alcançar.
Titubeiam as palavras, os verbos imóveis tolhidos no degrau tosco, tateando passo mudo, impedindo-se diante do bilhete.
Reiniciam-se os gestos canhestros, as pausas medrosas, os cânticos de raspar goela, o interminável ensaio para a peça do porvir mesquinho.