terça-feira, abril 11, 2006

Geênesis

J. D. Flint herdou da tela o gosto do sangue e exercitava sua coleção de clichês e de armas na hoste de mendigos que assoreavam a solidão noturna da rua em que ele morava. E atraiu a bala no centro dos olhos, pela mão de Tião Rei.

Tião Rei gerou toda a delinqüência armada que habitou a região que vai do Baixo Paradiso a Trabuco do Maia, e julgou-se absoluto em seu trono de pó, do qual despencou num atentado a soldo de Tonho Bruno.

Tonho Bruno feriu a terra à margem direita da Diametral Leste e edificou sua reputação sobre um punhado crescente de ossos e cédulas.

E foram todas as jugulares que Bruno rompeu cento e oitenta e três, e pereceu sob o fogo legal suspeito do Tenente Puma.

Puma amalgamou patentes e amigos ilusórios com o numerário fácil que brotou sob os desvios da insígnia, com as fêmeas ostensivas demais e com o ciúme humilhado de Joana, sua primeira posse, que lhe pôs fim ao oficialato com trinta punhaladas frenéticas e sonoterapêuticas.

E fugiu Joana pela madrugada vaidosa de suas tramas, cambaleando entre um e outro dente da proverbial boca da noite.

E foram todas as luas em que Joana pagou tributo ao primeiro sexo setecentas e oitenta e nove, e encerrou seus dias ao receber os desserviços profissionais do Doutor Felix.

Felix é o algoz de um terço dos bebês abortados em plena escassez do Mirante da Fortuna, a preço de ouro, e de algumas mães, que nada é perfeito, afinal.

E sobreveio a Felix a vingança de seu filho Max, sobrevivente de seu fórceps, pelo semitardio arrependimento da mãe. Disparou, pois, o infante, oito vezes sobre o semblante impudico de Felix, espargindo sangue sobre o seu diploma cassado.

E riu-se muito Hipócrates no túmulo.

Max olhou em volta e não achou companhia para crescer. Procurou lições de sobrevida em ancestrais e só divisou crânios. Ouviu seu próprio choro ecoar pelas colinas desertas daquela terra sem nome. Foi então que seus dentes começaram a ranger.