sexta-feira, janeiro 28, 2005

Presença marcante

Não esqueço Valéria. Acho que é porque ela se parece com a amiga de uma colega minha lá do campus, uma que tem um nome esquisito, de que não me lembro agora. Da amiga é que eu não sei mesmo o nome, porque ela nunca disse. Pois é, Valéria se parece com ela. Não muito, só um pouco. Eu também não a conheço tanto assim. Será que o nome dela é Valéria mesmo?

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Alea

Eu parei de fazer confidencias, agora pinto os muros, os quepes dos guardas.
Os outdoors da selva são seiva, então só sei que nada seiva,
cevados os cabritos de todos os distritos,
atritos com o mau vizinho,
unzinho que diz calamidades,
verdades que desrespeito,
meus feitos são menos graves,
entraves, que eu nada meço,
pereço, mas não em torno,
suborno porém não pago,
um trago depois da missa,
polícia não tem deleite,
me aceite, mas não dê conta,
já tonta? Desapareço.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Homenagem

O homem que hoje veio ler o medidor de energia elétrica fala sozinho todo o tempo, examinando repetidamente os números do medidor em busca de alguma verdade esquecida. Parece indeciso entre deixar cair no chão os papéis que traz e obedecê-los à risca. Sua canção de procedimentos é um tédio que zumbe. Subserviente, ele reverencia cada a corte de números que jamais se repetirão. Tem no bolso caneta e sujeira de outros dias.

Interessante o cabelo, algo com uma concavidade, como o Wolverine dos X-men. Além disso, ele funga compulsivamente, uma gripe que parece um choro contido, pelo qual parece querer pedir desculpas.

Ele confere, oh, Deus, ele confere e reconfere os malditos números, para ter certeza de que não vive em vão. Sorri, no final, está no rumo certo, caminha a passos largos para o paraíso dos leituristas.

Achei por bem homenageá-lo com um minuto de silêncio, não porque tenha morrido, mas para não aumentar ainda mais a sua confusão.

terça-feira, janeiro 25, 2005

Rigores da lei

O tabelião que trouxe Moema à existência, advogado de formação, recitou ao fim do trabalho, um tanto fanático, que “o que não está nos autos não está no mundo”. Por medo e mau entendimento, dona Jandira guardou a certidão da filha na estante, entre a primeira e a segunda folha do Grande Atlas Mundial. Até o dia de tirar o passaporte.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Avant-Garde

Na casa de tio Firmino, lavar louça era coisa de mulher. Getúlio, o filho mais moço, recém-chegado da capital e inquieto desde cedo, rebelou-se contra tal ordem estabelecida, reivindicando igualdade de direitos para os membros da família. Ousou chamar todos a uma radical mudança de atitude, e para dar o exemplo, passou a acompanhar as damas à pia. É preciso mudar a opinião dessa gente, bradava entre eles e elas. Conseguiu. Hoje, na casa de tio Firmino, lavar louça é coisa de mulher e do Getúlio.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Clássicos sem classe

O pesadelo das arrumadeiras. Sempre derrubava um cinzeiro ou quebrava um abajur nas primeiras rodadinhas para virar Mulher-Maravilha.

Pois é, o tal jornalista. Brigou com a Miriam de novo. Tomou um porre e chegou ao prédio onde morava caindo de bêbado, ainda com a capa vermelha na mão. O porteiro gozador piscou um olho, cúmplice:
- Tropeçando na criptonita, hein, doutor?

O síndico achou um desacato toda aquela radiação. Veio à porta tirar satisfações. O bom doutor irritou-se monstruosamente. Incrível mesmo foi o rasgo a mais na calça, que o deixou mais vermelho de vergonha que verde de raiva.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Vaticínio

Inseticida nelas. Após todas as baratas mortas ou agonizantes, era apanhá-las e lançá-las na privada. E puxar a descarga. Mas por alguma razão quatro delas não desceram, permanecendo estoicamente à tona, dispostas em X.

Você tem certeza? Em X, não em cruz, mas em X?

Sim, reparei bem nas distâncias entre as hastes, era um X. o que me diz? Que lhe parece?

Bem, se fosse uma cruz, seria mais fácil e promissor: in hoc signo vinces. Mas um X...este ano será mesmo uma incógnita.