quarta-feira, março 30, 2005

Colheita

Meninos são primatas que se penduram nos galhos pelos braços ágeis, abrindo caminho entre folhas e risos até as frutas mais doces. Quem disse que alegria não dá em árvore?

segunda-feira, março 28, 2005

Vingança

O guarda sacou seu bloco
eu saquei o meu
ele me deu uma multa
eu lhe dei uma biografia

quinta-feira, março 24, 2005

O primeiro dia

É a primeira vez que você está neste emprego, não é, Gonçalves? Percebo pelo tremor de suas mãos e voz. Relaxe, as pessoas aqui são legais. O serviço é uma moleza. Mas você não acredita em nada disso, você queria, mas não consegue acreditar, você é um daqueles para quem foi feita a Lei de Murphy. Entendo.

Tente imaginar que essa não é a primeira vez que você está neste lugar, com estas pessoas. Imagine-as há muito tempo trabalhando com você, da mesma forma sempre. Você as conhece nos mais ínfimos pormenores, a entonação de cada voz, o alcance de cada gesto, o incômodo de cada vício.

Imagine que esse trabalho é feito por você há pelo menos dez anos, e que não há nenhum detalhe dele que você não conheça muito bem. O destino de cada pasta, o valor de cada assinatura, o caminho percorrido por cada memorando entre o arquivo da frente da sala e o arquivo de trás da sala. Ninguém conhece essa rotina melhor do que você, Gonçalves. E agora, está mais calmo?

Então levanta daí, Gonçalves, sai desse emprego modorrento. Êta sujeito sossegado, sô.

sexta-feira, março 18, 2005

Panorama

A angústia é uma janela ampla com vista para o tempo passando. Agora que falta pouco tempo, que já passou tempo demais, ainda olho pela abertura mais ampla do que generosa, tentando perceber na tempestade dos anos alguma coisa a que me possa agarrar. São restos de energia gasta em odiar os que temem, indícios do esforço em temer os que odeiam, um espasmo concreto de dor ou prazer ilegítimos.

Gostaria até de poder traduzir em gestos ou nomes essa enormidade temporal. De postar coisas e pessoas num espaço exíguo que ao menos dissesse deles ali ou acolá. Mas não posso, que eu também, por mais que essa janela me engane, também eu me locomovo nessa torrente, e de tal modo sem seguros nem norte, que mesmo o que me cerca tem presença indistinta o bastante para que não consiga lhe desenhar o contorno nem lhe marcar a data.

sexta-feira, março 11, 2005

Departamento de Compras

Empilhados como corpos numa vala comum estão os cartões de visita. Acabo de vê-los ao abrir a gaveta, em busca de rascunho. Penso que poderia jogar um jogo qualquer com esses cartões de visita. Com as identidades dos sujeitos, formar estados e situações. Não percebi até agora que esta gaveta tem voz e ouvidos. Ela diz de si e capta o mundo emparedado. Ela fala no subterrâneo de sua intuição de gaveta. Vê o mundo.

Graphos

Os grifos são meus
Os grifos são maus
Os grifos são mil
Os gritos são meus

sexta-feira, março 04, 2005

Flora de alívio

Espreme duas pílulas diante dos olhos viscosos de doer, esmaga-as no copo metade água, metade perda, sorve tudo na mesma selva equatorial de ilusao de que se nutre o mundo. Verás que todos, uns mais, outros menos, trazem suas nódoas cobertas do paliativo do seu tempo.

quinta-feira, março 03, 2005

Quase post

Este teclado são dentes batendo
Você que ouve, ponha a mão no peito
Em homenagem à falta de jeito
Pra amalgamar na folha o pensamento