sábado, agosto 22, 2009

Retórica

Na verdade, em que verdades contem ou mintam, era só um rato disfarçado de herói, perito em produzir grandes cicatrizes de pequenos ferimentos. Mas estavam todos nus de epopeias, e lhe dedicavam olhares cobiçosos, e perguntas irrespondíveis, e mesmo querelas menores.

Era toda a praça e toda a cidade um só perigo, o de mergulhar na saliva do famoso interlocutor cansado ter dito o que os mendigos sempre recolhem no ar junto aos demais, vociferando o lixo.

domingo, agosto 02, 2009

Juízo final

E havia a lava morta, isenta de fogo, roubada de todos os calores. E ela estava em volta de mim, e me roubava o ímpeto da letra, meus irmãos. E meu estilo era tido como inerme e mortos eram os meus caracteres no silêncio indolente do dia que só tinha por virtude vir após outro dia.
Mas eis que, a despeito de toda a mortalha de cinzas que cobria meu ânimo, divisei a cálida, depois tórrida força motriz de um verbo obsessivo, que me impeliu ao alto como só um gêiser, que digo, como só o autêntico vulcão ativo, no inalcançável patamar de sua irreconhecível decisão ígnea, é capaz de produzir, com orgulho da má ou boa palavra. E aqui estou, neste altar das ressurreições, grato à caneta pela tinta que derrama, grato ao vinho que neste copo açoita os modorrentos embaraços, grato a todo vento de doutrina que vire as placas de todas as estradas para o derradeiro e preliminar caminho, e que este se encha de corpos que marcham, de vozes que cantam querelas ou cópulas, de almas salvas que queiram viver como quem sabe que jamais faltarão gritos de dor.