quinta-feira, maio 03, 2007

O eu pernóstico e os outros eus

Disseram-no um gênio, e ele creu
A Homero decorou de madrugada
De pé citando Proust na calçada
Propôs-se resgatar Montesquieu

Família, emprego, amigos esqueceu
Já “que um poder mais alto se alevanta”
E tanto Hugo no almoço, Joyce à janta
Não poucos comensais aborreceu

“Tocado pela musa” concebeu
E foi ao mundo em busca de miragem
Muniu-se de fornida carruagem:
Com tomos a cabine preencheu

Um livro lhe caiu, não percebeu
E foi parar na tenda de um labrego
Que ali vivia um tédio e um sossego
Até que a boa escrita o revolveu

A pena do campônio floresceu
Teceu a epopéia mais notável
Que veio à luz num livro elogiável:
“Tal bardo arte maior nos devolveu”

De volta da viagem que empreendeu
O outro lhe visou a nomeada,
Citou-lhe uns loas maus, letra empolada
Ouviu: “tu és um gênio” e ainda creu.