sexta-feira, fevereiro 26, 2010

A voz que se ergue sobre as águas

Hoje é dia de maremoto. Acontece uma vez a cada miríade de sensações baratas, para confundi-las com a poeira sem memória. Hoje as ondas revoltas desagendam os compromissos assumidos sob o manto errado. As vozes se evadem, cada uma seguindo uma fresta nos escritórios e cozinhas das vivendas de todos os dias manchados do mesmo. Todas caíram de seu lugar no mundo, rejeitadas pelo soterramento dos meses e anos. Somente uma delas manifesta sua fala resistente, e não porque lhe dessem algo, e não porque a fortuna a houvesse poupado de sucumbir. Mas porque não fala de tarefas obrigadas, nem declara a escalada da pele e a revolução de secreções. Ela desimpede o caminho dos parques, o riso das crianças, as mãos enlaçadas dos casais na grama perfeita. Constrói o céu dos clandestinos, a praia dos náufragos felizes. Ela canta todos os dias e noites a canção esquerda para que o mundo faça sentido.