terça-feira, abril 19, 2005

Telepatia

Liam-se um ao outro. Nenhum segredo atrás das portas da mente de cada um.

Quando ele pensava nela, imediatamente ficava sabendo em que ou quem ela estava pensando, os lugares em gostaria de estar, as lembranças que ela cultivava com maior afinco.

Quando ela pensava nele, descobria num segundo a medida do seu apreço por essa ou aquela pessoa ou coisa, o presente reservado a cada indivíduo de suas relações, o gosto deixado na memória por cada sensação ou palavra.

Então veio o momento em que ela viu uma cor mais rubra que o natural na saudade que ele tinha de uma antiga namorada. E ele, por sua vez, desconfiou daquela palavra que ela dizia sem mover os lábios toda vez que um certo admirador lhe dirigia um elogio. A mente de cada um se inflamou em um pensamento raivoso, de uma cólera maciça, de uma vontade sôfrega de fazer sofrer aquele que o roubava. Destruíram-se.

Cada um deles anda hoje como um trapo louco, sem a mínima noção da mais veemente realidade. Só se relacionam com coisas. Ela tenta ler as idéias de um manequim na loja de vestidos. Ele insiste em extrair emoções de uma carta de baralho. Ambos percebem a inutilidade de suas tentativas. E sorriem, aliviados.